Judite Cypreste - 07/12/2019

Mais de 1.700 jornalistas de 130 países diferentes se reuniram em Hamburgo, na Alemanha, para a 11ª edição do GIJN (Global Investigative Journalism Conference). Durante quatro dias, uma grade recheada de dados e programação se desdobrava a atender todos os participantes, que também encontravam palestras e mesas para discutir práticas do jornalismo investigativo, o submundo da desinformação e os desafios da profissão.

R, Python, SQL, queridinhas pelos jornalistas de dados, apareceram nos mais diversos temas e níveis. E não parou só nelas. Quer usar JavaScript para fazer análises de dados? Tableau para uns gráficos? Que tal se aventurar em fazer uns grafos? Enfim, um verdadeiro cardápio de experiências que mostram que sim, tem uma galera fazendo jornalismo de dados por aí, e se esforçando muito para isso.

A seguir, reunimos resumos detalhados de algumas palestras e workshops do GIJN para você ficar por dentro do que rolou no maior evento de jornalismo investigativo do mundo!

E para ter acesso a todas apresentações do evento só clicar aqui.


Exposing Extremists and Hate Groups (Expondo Extremistas e Grupos de Ódio)
Apresentação: Will Carless, Maria Eugenia Ludueña e Axel Gordh Humlesjö

O trio de jornalistas que apresentou esta palestra tem uma coisa em comum: todos já noticiaram sobre grupos de extremismo. Grupos de ódio não são coisa deste século, mas o modo de agir, combinado com o uso de mídias e novas tecnologias, amplifica a sua mensagem, atravessando barreiras e chegando de forma instantânea para todo o mundo.

Will Carless, correspondente do Reveal, organização de jornalismo investigativo norte-americana, deu dicas importantes (e fáceis) de proteção para jornalistas. Já ativou a verificação em dois fatores de TODAS as suas contas e redes? Parece ser chato receber aquela mensagem no seu celular com um código, mas a prevenção para ataques pessoais pode te prevenir de coisas bem piores. Já diria aquele velho ditado: “é melhor prevenir do que remediar”.

A mensagem de Axel Gordh Humlesjö foi “proteja a sua família”. Com experiência na cobertura de grupos neonazistas, o repórter investigativo da rede de televisão sueca SVT mostrou vídeos de ações de violência de grupos extremistas. A mensagem final: investigue, mas proteja a sua família antes.

A Agência Presentes, com unidades em diversos países latinos, realiza o trabalho de noticiar crimes de ódio contra a população LGBT+. A diretora Maria Eugenia Ludueña contou sobre a sua experiência em noticiar esse tipo de violência.

Momento Merchan: O Coluna7, o podcast brasileiro de Jornalismo de Dados, possui um episódio inteiramente dedicado à segurança digital para jornalistas. Quer saber dicas de como se prevenir de ataques virtuais? Então escute agora.


Data Visualizations for Investigations (Visualizações de Dados para Investigações)
Apresentação: Kavya Sukumar e Alastair Otter

Usar a visualização de dados para contar histórias é uma boa maneira de chamar a atenção do seu leitor para o dado certo. Nesta palestra, Kavya Sukumar, desenvolvedora da Hearken, e Alastair Otter, Coordenador de TI da GIJN, mostraram cases de sucesso na incrível missão de demonstrar por meio de visualizações, histórias incríveis de investigação jornalística.

O jornal New York Times montou um gráfico de adivinhação com o seguinte desafio: qual a probabilidade da renda familiar de uma criança influenciar nas chances dela entrar em uma faculdade? Usando uma interface interativa, o leitor tem que adivinhar o que os dados coletados por um estudo sobre o assunto têm a dizer.

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De autoria do mesmo jornal, um calendário mostra o número de tiroteios que ocorreram nos Estados Unidos. Graças a visualização, 555 tiroteios, nos anos de 2016 e 2017, são expostos, mostrando também a imobilidade do Congresso norte-americano sobre o assunto.

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Ainda sobre o problema de tiroteios nos Estados Unidos, o Vox traça um panorama sobre o assunto desde 2013, demonstrando com mapas e dados o histórico de massacres.

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Por fim, o Passmark traz uma análise surpreendente sobre o número de crianças mortas em banheiros de escolas na África do Sul. A falta de saneamento no país aparece nos sanitários em forma de fossas e latrinas usadas pelos estudantes sul-africanos. A investigação conta casos de crianças que morreram por conta das más condições dos banheiros nas escolas.

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Momento Merchan: O Coluna7 também já gravou um episódio sobre visualização de dados. Quer saber dicas sobre o tema? Ouça agora.


Searching the Deep Web (Procurando na Deep Web)
Apresentação: Albrecht Ude

Há mais coisas fora do buscador padrão do que pode imaginar nossa vã filosofia. Essa frase adaptada de William Shakespeare ilustra como sair de nossa bolha de buscas pode nos dar bons frutos (e dados) para uma possível investigação jornalística.

Cansado de ter resultados de pesquisa enviesados por conta do seu histórico? Que tal usar o Startpage? O buscador promete ser a ferramenta de busca mais privada do mundo. Quer procurar bases de dados? Bom, se você não achou no Banco de Bases de Dados do Colaboradados, a dica é pesquisar no Wikipédia. Isso mesmo! Uma lista de bases de dados disponíveis na internet espera por você!

O jornalista e pesquisador Albrecht Ude, fez uma lista de dicas para investigar coisas além do “www”. Divirta-se!


10 ways to use AI in Investigative Journalism (10 maneiras de usar a IA no Jornalismo Investigativo)
Apresentação: Paul Bradshaw

Por último, mas não menos importante, temos o resumo da palestra de Paul Bradshaw, referência internacional em Jornalismo de Dados, atualmente na BBC e professor na Birmingham City University.

Em sua apresentação, Bradshaw mostrou aplicações de Inteligência Artificial dentro de redações, aliando dados e histórias por meio de algoritmos para investigações e reportagens. E teve até projeto brasileiro sendo mencionado: a famosa Operação Serenata de Amor, inteligência artificial que investiga gastos excessivos da administração pública do Brasil.

Entre olhares espantados e de admiração, Bradshaw mostrou exemplos que levantam a régua do Jornalismo de Dados e aliam o treinamento de máquinas para o desenvolvimento de trabalhos relevantes para a sociedade.


Bônus: o Jornalismo de Dados Internacional x Jornalismo de Dados Brasileiro

E não é só de palestras que vive um evento. A troca e o encontro de experiências fazem parte do aprendizado. Conversar com o cara de dados do The Guardian ou do The New York Times e perceber ali que você está falando sem barreiras com aquele profissional é recompensador - e também desesperador.

Com muitos profissionais exemplares, o Jornalismo de Dados brasileiro ainda se encontra engatinhando pelas entranhas do jornalismo tradicional. Se há demanda pelo fazer Jornalismo de Dados e temos profissionais valorosos à disposição, deveria ser fácil dar o match entre os dois, certo? Mas a realidade é bem diferente.

No Brasil, há pouco investimento por parte das redações em reportagens de longo prazo, que demandam que profissionais saiam do hard news e se dediquem exclusivamente em projetos grandes e demorados.

O Jornalismo de Dados é, em sua essência, demorado, e isso não é visto com bons olhos pelos que não entendem do assunto. Desta forma, por mais que a demanda exista, e existam também profissionais, a escolha pelo noticiário instantâneo é a preferida pelas direções, que com pouco recurso, preferem a movimentação rápida de manchetes.

Lá fora, o investimento é feito visando longos prazos: reportagens investigativas, afinal de contas, demandam tempo, as de dados também.

Mas esse texto não é sobre tristezas, e sim sobre inspiração.

Após este breve resumo, esperamos que você tenha muitas boas ideias, pratique e compartilhe o seu conhecimento.